Moisés Rabinovici: Netanyahu adia ratificação de cessar-fogo em Gaza

Primeiro-ministro enfrenta pressões da extrema-direita israelense enquanto Hamas nega acusações de criar obstáculos no acordo negociado por Catar e EUA

A ratificação do acordo de cessar-fogo em Gaza, na manhã desta quinta-feira, foi adiada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, sob a alegação de que o Hamas “está criando uma crise de último minuto”. O Hamas desmente. A conclusão do acordo foi anunciada pelo Catar e Estados Unidos, ontem, e comemorada por palestinos e pelas famílias de reféns, sob protesto da extrema-direita israelense.

Fontes em Israel atribuem o adiamento à tentativa de Netanyahu de manter seu ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, na coligação governamental. Sem o partido dele, Sionismo Religioso, o governo fica reduzido a 61 votos no Parlamento de 120 deputados.

As condições de Smotrich para atender Netanyahu: ele quer o retorno de Israel à guerra até a destruição total do Hamas, com a libertação de todos os reféns, imediatamente depois da conclusão da primeira das três fases do acordo, que deve começar no domingo. E não só: esse compromisso deve ser assinado pelo primeiro-ministro.
Se Netanyahu ceder a Smotrich ele invalidará as duas fases finais do acordo — e, portanto, a primeira, porque o Hamas quer o fim da guerra, na sequência dos 42 dias de trégua. Esse suspense, no último episódio de uma novela dramática de 15 meses, não é raro em Israel. Aconteceu várias vezes nas negociações de paz com o Egito entre o presidente Anual Sadat e o primeiro-ministro Menachem Beguin.

Agora Netanyahu se tornou o protagonista principal do qual depende o acordo comemorado no mundo todo. Uma multidão de opositores de extrema-direita foi para a frente do Parlamento protestar contra o acordo, na manhã desta quinta-feira. Em outras áreas continuam, porém, os preparativos para receber os primeiros reféns. O ministro do Trabalho e Bem Estar, Yoav Bem Tzur, anunciou que cada refém terá direito a 2.700 dólares, para necessidades imediatas, e mais 13.800 dólares para tratamento médico.

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Israel adia reunião para autorizar o acordo de cessar-fogo

O governo israelense adiou para sábado à noite a reunião para ratificar o acordo de cessar-fogo em Gaza, marcado inicialmente para esta sexta-feira. Assim, a primeira troca de reféns por prisioneiros palestinos só deverá ser realizada na segunda-feira, dia da posse do presidente Donald Trump, em Washington. O primeiro-ministro Netanyahu diz que só colocará o acordo a voto depois de todos “os pingos nos i e todos os t cortados”.

Uma reunião com o gabinete de segurança pode ser feita nesta sexta-feira, mas a plenária só sábado à noite. Depois dela, as petições com os nomes dos prisioneiros que serão trocados por três reféns passarão para a Corte Suprema, que os liberará e os publicará em 24 horas, quando normalmente levaria 48 horas.
A rebelião da extrema direita contra o acordo não foi contida pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, mas ele tem a maioria mínima de um ou dois votos, entre 120 do Parlamento, para seguir adiante.

A extrema direita aceita o “acordo de rendição” se sua segunda e terceira fase forem canceladas, seja por alguma violação por parte do Hamas ou de Israel. Netanyahu não se comprometeu a violar a trégua inicial de 42 dias, mas com Donald Trump já no poder a situação será muito diferente da atual.

O conselheiro de Segurança Nacional de Trump, Mike Waltz, disse em entrevista que “o Hamas tem que ser destruído a ponto de não poder se reconstituir”. E acrescentou: “Deixamos isso muito claro para os israelenses, e quero que o povo de Israel me ouça: se precisarem voltar a Gaza, estamos com vocês. Se o Hamas não cumprir os termos do acordo, estaremos com vocês”. Liderança palestinas fizeram também declarações beligerantes, prometendo a volta de sequestros, homens bomba, atentados e mísseis.

Os negociadores de Israel voltarão do Catar nesta sexta-feira. Todos os detalhes ficaram acertados. As tropas israelenses não deixarão o Corredor Filadélfia, ao longo da fronteira com o Egito, mas sairão totalmente do Corredor Netzarim, que corta Gaza ao meio, e de áreas densamente populadas pelos palestinos, que poderão iniciar o êxodo para o norte, que está arrasado, uma semana a contar deste domingo. Outra discórdia de última hora teria sido a exigência do Hamas de nomear alguns dos prisioneiros que devem ser libertados, o que foi considerado “inaceitável” por Israel.

Na primeira fase do acordo, Netanyahu pode se manter com maioria de um ou dois deputados, num Parlamento traiçoeiro, porque recebeu garantias do líder da oposição, Yair Lapid, de que o socorrerá se estiver em perigo de queda por causa da libertação de reféns em troca de prisioneiros palestinos. Mas, na segunda fase, réu de três processos de corrupção, sem os votos da extrema-direita e com uma comissão de inquérito que vai investigar as falhas políticas e militares que permitiram o massacre de 7 de outubro, ele ficará encurralado e terá que convocar eleições antecipadas. E as perderá, segundo pesquisas.

“Netanyahu quer permanecer no poder”, diz o cientista político da Universidade Hebraica de Jerusalem, Gayil Tlashir. “Não fará sentido para ele ir a eleições que não vai ganhar. Ele quer mais dois anos no poder”. As manifestações de quinta-feira em Jerusalém e Tel Aviv foram promovidas pela extrema-direita, contra o acordo, enquanto os familiares dos reféns deixaram claro que não aceitarão a anulação do acordo por motivos políticos.

Mesmo com o anúncio do acordo, os combates em Gaza continuaram, com 80 palestinos mortos, segundo o Ministério da Saúde do Hamas, que não distingue civis de combatentes. O número de mortos já passou dos 46 mil, e contando.